Diante da situação
em que se encontra a saúde no Brasil, não é possível abrir mão das comunidades
terapêuticas, no enfrentamento às drogas, especialmente o crack. Como exemplo,
podemos citar Curitiba e região metropolitana. São mais de 50 comunidades com
quase 1500 vagas só para dependência de substâncias psicoativas (Álcool, crack
e outras que serão tratadas apenas como dependência).
Isto equivale à aproximadamente 80% das vagas para dependência, na grande
Curitiba. A mesma situação ocorre em todo o Brasil. Existe um descompasso entre
a realidade e o ideal. O ideal é que qualquer usuário tivesse pronto acesso a
serviço médico especializado pelo tempo que fosse necessário. A realidade é que
o Poder Público não dá conta da demanda para internamentos de dependentes no Brasil.
Para isso concorrem alguns fatores: (1) Existe um movimento anti-manicomial que
visa a erradicação da hospitalização dos doentes mentais, entre os quais se
encontram os dependentes. O movimento tem objetivos legítimos, que obviamente
todos concordam, e outros completamente obscuros e despropositados (em outra
oportunidade voltaremos a este assunto). Este movimento que está ativo vem
obtendo sucesso em desativar hospitais psiquiátricos, o que diminui diretamente
o número de vagas para internamento de dependentes. Eu conheci a realidade de
alguns hospitais psiquiátricos na grande Curitiba e sou testemunha de que são verdadeiros
depósitos humanos. A existência destas distorções em muitos hospitais
psiquiátricos não impede que existam bons hospitais, dentro das mais rígidas normas
nacionais e internacionais. O que não faz sentido é desativar as vagas
existentes (ao invés de torná-las viáveis) sem uma alternativa à demanda
assustadora decorrente de um problema social profundo, cuja solução até o
momento sequer foi contemplada. (2) Os serviços privados, que respondem por uma
fatia considerável dos 20% restantes, não estão ao alcance do brasileiro médio.
Diárias em torno de R$ 300,00 a R$ 500,00. (3) As emergências enfrentam filas
de semanas, quando conseguem vagas. Emergência??? (4) O tempo de internamento,
via de regra, é curto, especialmente aqueles liberados pelos planos de saúde,
que liberam um curto tempo de internamento integral (máximo 30 dias) e depois
liberam para hospital dia. O dependente passa em torno de 8h no hospital ou
clínica e no restante do tempo fica liberado. Isto funciona em uma minoria dos
casos, já que o padrão de uso de mais de 90% dos dependentes, é noturno.
Fazendo uma analogia, seria como Manter em reclusão por um mês, um condenado a
20 anos de pena, e depois liberá-lo para ficar na prisão durante 8h diurnas e
no restante do tempo, deixá-lo livre. Eu disse 20 anos à propósito, porque
tenho inúmeros pacientes com mais de 20 anos de dependência e com 30, 40 ou 50
internamentos. (5) A resposta do governo no enfrentamento às drogas foi pífia. Os
CAPS AD oferecem apenas o hospital dia. Já vimos que não faz sentido tratar um dependente
em regime semi-aberto, sem antes ter feito um internamento integral
satisfatório. O Ministério da Saúde tentou consertar o problema criando os CAPS
AD III, com 8 à 12 leitos, o que não faz a menor diferença para a demanda. Além
disso, os “internos” não ficariam sob cuidados médicos fora do horário
comercial, lembrando que tais leitos, atenderia aqueles casos mais graves e de urgência
e emergência. O conselho Federal de Medicina se posicionou contra já que
atender uma emergência médica sem a presença de um médico seria exercício
ilegal da medicina. (6) O Ministério da saúde e o Conselho Federal de Medicina
não consideram as Comunidades Terapêuticas como entidades médicas, e realmente
não o são. A realidade é que são elas que atendem a maior parte destes
internamentos de emergência. Não faz o menor sentido discutir de forma
acalorada a incompetência das Comunidades Terapêuticas para atender estes
casos, sem apontar uma alternativa. Não passa de conversa fiada. (7) Em minha
opinião, o caminho mais curto seria aparelhar algumas destas Comunidades com
médico 24h por dia. Algumas (em torno de 10%) já possuem o serviço médico, mas
não é 24h, desta forma voltamos ao problema dos CAPS AD III. Digo que o caminho
seria mais curto porque são instituições que já existem e respeitam as normas
da ANVISA dentro de suas categorias e de alguma forma já sobrevivem. O investimento seria menor do que criar uma
nova instituição. (8) Quando estive em um encontro com a Presidenta Dilma para
tratar da questão das comunidades terapêuticas, percebi que os representantes da
maioria das Comunidades Terapêuticas desejam permanecer como estão, isto é, sem
a presença de equipe técnica, especialmente de médicos. Bem, na realidade seria
necessário apenas 10% delas. Estas existem e estão dispostas. (9) O representante
das Comunidades Terapêuticas, que defendem a ausência da equipe técnica, tem
uma visão míope do que seja uma emergência psiquiátrica, dentro da dependência.
Em primeiro lugar, o dependente em fase de intoxicação. Vamos a um exemplo.
Todos nos lembramos do lutador Ryan Grace que foi encontrado morto na
carceragem de uma delegacia em São Paulo em 15 de dezembro de 2007. A morte não
foi causada pela medicação ministrada pelo médico que o atendeu. Não há dúvida
que a prescrição do colega demonstra total e absoluto desconhecimento de
farmacologia e de emergência médica. Se todos os casos de emergência fossem
resolvidos com uma única tomada de uma prescrição correta, não precisariam
existir hospitais com longos internamentos, muito menos UTIs, já que bastaria
acertar a medicação na primeira tomada e mandá-lo para casa. Isto parece
ridículo, mas foi o que se ouviu na mídia, à época do acontecimento. Se Ryan
estivesse internado, que é onde deveria estar, nada disto aconteceria. Seria
observado o tempo todo e assim que surgisse alguma alteração, seria prontamente
corrigida. Na fase de intoxicação o dependente sofre inúmeros tipos de riscos, que
só são minimizados satisfatoriamente com a presença permanente de um médico em
condições adequadas. Em segundo lugar, quase sempre se esquece que um dependente
está sujeito como qualquer outra pessoa, a outras doenças, psiquiátricas ou
não. Novamente a necessidade de um médico para diagnosticar adequadamente e
decidir pela necessidade ou não de medicação ou de cuidados especiais em um
lugar adequado. Na prática, as comunidades levam os internos ao serviço
público. São dois problemas. O primeiro é que o serviço público já esta afogado
(neste caso a Comunidade não contribui para a demanda) por isso o atendimento é
demorado. O segundo é que o leigo tem uma capacidade limitada de decidir
corretamente o que é ou o que não é emergência. (10) A idéia arcaica de que os
dependentes não precisam de medicação demonstra tão somente a falta de
informação. Três coisas são importantes. (a) Primeiro, as Comunidades
Terapêuticas descendem dos grupos de auto-ajuda (deveria se chamar ajuda-mutua,
porque a ajuda vem dos pares e não de si mesmos) cujo primeiro foi fundado em
1935 Por Bob e Bill. A primeira Comunidade Terapêutica foi fundada em 1958.
Nesta época a psiquiatria ainda sofria a influência da psicanálise, em maior ou
em menor grau. Este fato atrasou o desenvolvimento da psiquiatria, que
realmente tornou-se uma área da medicina onde se aplicam conhecimentos científicos
de várias áreas da ciência na década de 1990. Assim a idéia inicial de que a
medicação é dispensável, ou como querem outros, prejudicial, está ultrapassada.
(b) Segundo, A maior parte da medicação é utilizada nesta fase inicial da
desintoxicação como sintomática, isto é, para tratar de sintomas decorrentes da
abstinência, da intoxicação ou da fissura (craving em inglês). (3) Outra
necessidade de utilização da medicação provem das comorbidades, ou seja, a
presença de uma ou mais doenças associadas. Por exemplo, entre os portadores do
Transtorno Bipolar existe uma incidência de aproximadamente 40% de dependência
contra aproximadamente 5% da população em geral. Desta forma, é muito comum encontrar
Bipolares, TDAH, Fóbicos sociais, especialmente entre os alcoolistas. Além
destas, existem doenças não psiquiátricas como cirrose, hipertensão arterial,
diabetes, cardiopatias e doenças pulmonares, para citar as mais comuns. Não tem
como tratar um dependente, com sucesso, sem tratar as doenças associadas. Destarte,
a solução é complexa, mas passa por uma decisão política. Quando estive com a
presidenta Dilma, fiquei convencido de que ela está empenhada em resolver o
problema da saúde no Brasil, isto me impressionou profundamente. A questão é
como? Acredito que a presidenta precisa das informações técnicas corretas para
tomar decisões corretas. O que me surpreendeu negativamente é que a informação
predominante não tem nada a ver com ser ou não correta. Tem a ver com a força
de representação política que está por trás dela.
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